Crítica | Que Horas Ela Volta?

Por Roberto Soares

Que Horas Ela Volta?, quarto filme de Anna Muylaert, é uma das mais importantes obras que a indústria cinematográfica brasileira produziu recentemente. Isto porque consegue de forma clara e objetiva transmitir suas ideias e sua crítica social com um alto nível de qualidade, uma direção impecável, roteiro glorioso e excelentes atuações, especialmente das duas protagonistas, Regina Casé e Camila Márdila, que estão espetaculares em seus papéis.

O filme conta a história de Val, empregada doméstica que vive na casa de seus patrões, uma família rica formada por Bárbara, Carlos e o filho deles, Fabinho. Este último, acostumado com a constante ausência dos pais, vê Val como uma mãe. Jéssica, filha que Val deixou no nordeste e que não tem contato há dez anos, vai para São Paulo para prestar um vestibular, e Val pede a seus patrões que permitam que ela hospede a filha no quartinho em que dorme. Os patrões aceitam, mas a chegada de Jéssica afeta a dinâmica de todos que moram na casa.

Apesar de a trama central do filme ser relativamente simples por mostrar um drama do dia a dia, o roteiro está envolvido em detalhes e referências que o enriquecem e nos fazem entender bem a relação entre uma empregada doméstica e seus patrões. Esta relação, que não é igualitária apesar de Bárbara e Carlos afirmarem diversas vezes que Val é da família, começa a ser questionada quando Jéssica chega a casa, desafiando leis que ninguém nunca diz, mas que são naturalmente impostas. O modo de vida de Val, em que ela se rebaixa e entende perfeitamente o limite de seus atos e direitos, que não podem ser iguais aos de seus patrões, já que eles são supostamente superiores, é constantemente contrariado por Jéssica, que não aceita a passividade da mãe diante de tamanha inferioridade. 

É bem provável que no inicio da projeção os espectadores tenham uma visão errônea de Jéssica e achem a personagem atrevida e inconveniente. Mas conforme a trama se desenrola, percebemos que na verdade ela está se opondo a uma barreira invisível, um distanciamento social que existe e que as pessoas se conformam e não percebem que está lá. Val não entende que está se inferiorizando ao dizer que ela e nem Jéssica podem se sentar à mesa, comer o tal sorvete ou entrar na piscina, pois a dessemelhança acontece automaticamente, naturalmente. Portanto, o incômodo que Jéssica traz a casa não é só causado nos patrões, por não gostarem da quebra do status quo, mas também em Val, por achar que a filha se comporta como “o presidente da República”, ou seja, de uma maneira que não corresponde à sua posição social.

Numa das cenas mais marcantes, porém, Jéssica justifica-se: "não sou melhor que ninguém, mas também não sou pior..." É aí que, aos poucos, a visão de Val vai mudando e ela vai se libertando. Essa libertação é representada por uma belíssima cena em que ela entra na piscina à noite, escondida, um ato de rebeldia que outrora era absurdo para ela. E é assim que o filme consegue prender a atenção e atingir o coração do público, com uma linguagem popular e bela, mas ao mesmo tempo crítica e necessária.

Que Horas Ela Volta? acabou de ser escolhido pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na corrida por uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar 2016. Vamos torcer para que consiga pelo menos ser indicado, assim a mensagem do filme atingirá um publico ainda maior e estimulará debates ao redor do mundo. Mas principalmente, vamos torcer para que o reconhecimento internacional faça com que os próprios brasileiros apreciem o cinema autoral de nosso país, que já existe há muito tempo, mas que ainda não tem o espaço que merece em meio a tantas produções comerciais.



Obrigado pela ótima crítica, Roberto!
- Equipe Estante Nerd.

Yuri Hollanda

Redes Sociais

SNAPCHAT

SNAPCHAT

ANÚNCIO