O
longa é um dos recentes lançamentos da Netflix, originalmente denominado “To the
Bone” (um nome bem mais digno que a ingrata tradução de “O Mínimo Para Viver”,
diga-se de passagem), protagonizado por Lily Collins (melhor momento de sua
carreira), que teve que passar por uma dieta rígida na vida real para encarnar a
jovem anoréxica Ellen (o que ela fez com brilhantismo).
A
história se desenvolve a partir da crise enfrentada por Ellen e sua família,
devido ao fato dela se recusar a comer e estar vivendo há anos à beira do
precipício, tendo em seu histórico diversos desmaios, internações, além da
perda de peso constante e doentia.
O
filme procura mostrar a complexidade da anorexia - ou de qualquer distúrbio
alimentar -, que, ao contrário do que muitos pensam, vai muito além de mera
futilidade. A família de Ellen, embora tente dar suporte a garota, é claramente
problemática; o pai é ausente (em momento algum aparece pessoalmente, somente
através de telefonemas), a irmã caçula, Kelly (Liana Liberato), sente-se à sombra
do problema enfrentado pela irmã mais velha em face das atenções que esta
demanda, a mãe (Lily Taylor) que não aguentou mais assistir a auto destruição
da filha e a despachou para a casa do pai enquanto vive uma vida tranquila com
a esposa em outro estado (o filme sugere que ela trocou o pai pela melhor amiga,
que é a atual mulher) e a madrasta, Susan (Carrie Preston, excelente), que, ao
tentar suprir a ausência do marido, acaba por sufocar a enteada.
Ao
apresentar este cenário, nós entendemos que a enfermidade de Ellen é catalisada
por diversos problemas exteriores com os quais ela não sabe lidar - que tiveram
como ápice o suicídio de uma garota que a seguia em uma rede social e endereçou
a ela sua carta de suicídio -, dessa forma procura no objetivo constante de
perder mais peso uma espécie de refúgio, e isso acaba se tornando uma obsessão.
Após
muitos tratamentos malsucedidos, a madrasta acaba por entrar em contato com o
Dr. William Beckham (Keanu Reeves), que possui métodos pouco ortodoxos de
tratamento e sugere a internação da garota em sua clínica.
A
partir deste ponto o filme começa a se tornar bastante pedagógico ao tentar explicar
como funciona os tais distúrbios alimentares, mostrando diversos pacientes que,
como Ellen, sofrem de anorexia, outros que sofrem de bulimia e, até mesmo,
compulsão alimentar. O filme, então, começa a tomar um rumo mais cruel e desconfortável,
o que só o torna melhor, talvez até seja didático demais, o que normalmente não
é bom para a narrativa, mas nesse caso, entende-se que realmente há uma
finalidade de conscientização e informação, então essa abordagem se torna até
válida.
“O
Mínimo Para Viver” é um filme impiedoso, tocante e que explora bem esse
universo pouco retratado na ficção e como isso pode levar alguém ao extremo,
com vários personagens carismáticos, ainda que pequenos, torna-se fácil se
apegar, com destaque ao Luke (Alex Sharp), amigo/interesse romântico que Ellen
conhece na clínica, é impossível não se apaixonar por ele.
Uma
das falhas do filme é a sua correria no último ato, embora goze de cenas
extremamente emocionantes ao mostrar Ellen chegando realmente ao fundo do poço,
o longa pecou ao não saber equilibrar bem o tempo (sem dúvida, merecia mais uns
15 minutos para facilitar isso), ficando um tanto rasa a conclusão, precisando
apelar para uma espécie de transcendentalismo em prol de dar um sentido para
resolução tão rápida e até fácil, o que acabou dando ares de deus ex machina, enfraquecendo a
consistência que o filme vinha trazendo até então.
No
geral, é um filme extremamente válido, principalmente se assistir com a plena
consciência do objetivo de orientar e alertar. Como por exemplo, uma das cenas
mais impactantes - e que tem exatamente esta finalidade - é quando Susan pede
para Ellen tirar a blusa para se pesar, assim podemos vislumbrar como o corpo
dela se encontra, algo extremamente aterrorizante e ao mesmo tempo tocante,
principalmente pela atuação de ambas, tendo seu auge quando a madrasta bate uma
foto de Ellen e em seguida mostra para a garota questionando, desesperadamente,
se ela acha que está bonita. É realmente uma cena que aperta o peito.
A
direção de Marti Noxon é despretensiosa, o objetivo que ela tinha em mente é
simples e foi alcançado, que era passar a sua experiência pessoal (o filme foi
inspirado na vida da diretora que sofreu com a doença), o que torna o enredo
bastante sincero. Além de mostrar àqueles que não entendem a real complexidade de
uma desordem alimentar que o buraco é bem mais embaixo, sendo muitas vezes um
mal subestimado. Enfim, é um filme forte e que explora o tema sem tentar suavizar
nada, mais um bom original produzido pela Netflix para a lista.
