Uma coisa que todas as séries criadas pela Marvel em conjunto com a Netflix tinham em comum era, além do incrível pano de fundo que é Nova York, a seriedade na forma em que elas lidavam com os seus inúmeros personagens, muitas vezes parecendo pertencer a um mundo alternativo daquele que o estúdio do cinema está construindo desde Homem de Ferro e isso nunca foi um problema, pelo contrario, como também refletia exatamente o sentimento passado nos quadrinhos originais dessas propriedades, aí que surge o problema… como seguir essa mesma linha já estabelecida e esperada com um personagem que tem uma base extremamente “mítica", como é aqui o caso com Punho de Ferro? Durante anos muito se foi falado sobre como a Marvel estava com dificuldade de lidar com temas "mágicos", tanto na TV como no cinema, geralmente tudo relacionado esse tema recebia explicações puramente científicas, como ocorreu em Thor (2011). Tudo mudou com a chegada de Doutor Estranho no fim de 2016.
A introdução de magica nos filmes logo se espelhou na telinha com a serie Agents of S.H.I.E.L.D., que entrou de cabeça numa trama envolvendo nada mais e nada menos que o Motoqueiro Fantasma e agradou vários fãs, contudo ainda restava a pergunta de como as séries mais "humanas" da Netflix (que até evitam mostrar a Torre dos Vingadores ou citar heróis por nome) lidaram com isso? A verdade é que eles tiveram de sair um pouco da zona de conforto e entrar num meio termo entre o clima estabelecido por Demolidor e o clima que muitos fãs de quadrinhos já conhecem de séries da emissora concorrente CW, como Arrow e The Flash, eu falo isso como algo positivo tematicamente, porém nem tudo são flores pois esse meio termo também se relaciona ao roteiro, a verdade é que o visto na primeira metade disponibilizada pela Netflix é de fato um pouco perdido e a uma estruturação estranha de acontecimentos. Punho de Ferro também é uma série mais episódica que o que o habitual do serviço de streaming no geral, o que aqui ajuda um pouco e talvez ajude para que ela se perca em sua segunda metade como ocorreu com as outras séries que, com exceção da primeira temporada de Demolidor, pareciam durar mais que o necessário, se tornando maçante logo quando a trama estava no ápice, e sendo dividida dessa maneira ela conseguiu entregar em cada episódio um tipo de situação diferente, ainda que sem precisar incluir os assustadores fillers com seu número razoável de episódios.
A trama gira em torno de Danny Rand, herdeiro bilionário que retorna para Nova York após anos desaparecido ao sofrer um acidente que matou seus pais, isso não parece familiar para quem já viu Arrow? Diferente do que ocorre lá, aqui nada volta fácil para o protagonista. Ele tenta ter sua empresa de volta enquanto tenta desvendar os mistérios presentes na cidade, que vem sendo atormentada por uma organização secreta (fãs de demolidor vão saber bem do que se trata). Nisso a série não apenas lida com o misticismo por trás do Punho de Ferro ou a misteriosa cidade de K’un Lun, mas com a maneira como os personagens no mundo real interpretam isso, questionando a sanidade do protagonista e se talvez o seu tempo perdido e possivelmente longe da civilização não o levou a desenvolver algum tipo de problema psicológico. Infelizmente a serie não se aprofunda nessa questão, que de fato poderia ser extremamente intrigante e é algo abandonado, que até perde o sentido quando se torna impossível de evitar o fato de que tem algo acima do comum com o Danny.
O elenco que tem como protagonistas duas estrelas de Game of Thrones está bem no que exigido pela série, o que infelizmente não é muito, o ator britânico Finn Jones vive Danny Rand, o punho de ferro, serve bem o personagem que por ser tão "Zen", devido ao seu tempo no monastério, não é que exige tanto assim no quesito de atuação , porém essa falta de exigência não se aplica ao fato de que ele precise saber lutar e ai entra a magia da TV com efeitos e dublês para ajudar, o que tira um pouco do crédito do ator. Jessica Henwick como a professora de artes marciais, Colleen Wing, já é um pouco mais interessante narrativamente falando, a personagem é jogada na série de uma maneira um tanto forçada e mesmo assim consegue seu espaço e trabalha muito bem com o que lhe é imposto pelo roteiro e que poderia sair muito pior, já que ela tem uma boa química em cena com Danny (inclusive roubando um pouco a cena dele) e é convincente nas cenas de luta. A maior surpresa no elenco vai para Tom Pelphrey introduzido como o antagonista Ward Meachum, o que é curioso aqui é que logo de cara ele apenas parece ser um genérico vilão corporativo como se vê em tantos filmes e séries que se resolvem em torno de empresas. Logo no primeiro episódio eu até poderia dizer que ele tinha sido um dos piores da série, todavia, isso muda e, sem entrar em spoilers, ele passa por algumas situações na série em que o ator tem a oportunidade de provar ter algum alcance significativo e o próprio personagem começa a se mostrar tridimencional. A advogada Joy Meachum, irmã de Ward e interpretada por Jessica Sprout, é introduzida como o natural interesse romântico clássico de herói em quadrinhos, mais que a própria Colleen Wing que seria a escolha obvia, mas a serie não segue realmente nesse sentido, Joy está mais para uma janela do que a vida do Danny poderia ser se não tivesse sofrido o acidente, e ao mesmo tempo ela é um wild card já que tem interesses conflitantes com vários personagens.

Iron Fist não é o maior destaque desse mundo da Marvel, nem mesmo da Netflix, todavia, apesar de não ser expressivamente a melhor em nada específico, ela está naquela linha em que tudo está harmonioso e funciona, não perdendo o ritmo e lidando bem com os temas apresentados, não da para saber se essa questão seguirá pelo resto da temporada, porém desde a primeira temporada de Demolidor não tinha essa sensação de progressão que vejo aqui, como falei antes: o que acontece muito nessas series é que a primeira parte da temporada é excelente e a segunda tinha dificuldade de manter o pique, mas por si só esses primeiros episódios são extremamente positivos e ainda dão bastante abertura para o que pode vir a frente, da aquela curiosidade e vontade de ver para onde vai todos os elementos e cartas apresentada, mais ainda pelo claro elo que ela parece estar tendo com o grande crossover que teremos ainda esse ano em The Defenders.